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Por que os marceneiros estão ganhando? por Administrador

Postando em 04/06/2015

Por MV

A marcenaria no Brasil é centenária e como outras profissões da época, a de marceneiro parecia que iria desaparecer, ou pelo menos ficar em segundo ou terceiro planos, como ficaram as de alfaiate, sapateiro, relojoeiro, eletrotécnico... e poderíamos enumerar mais de uma dezena.

Já vai longe o tempo em que o marceneiro reinava absoluto, aproveitando o fato de que no Brasil normatização é uma palavra pouco conhecida. Isso explica porque não existem normas para o tamanho mínimo dos ambientes. E se não há tamanho definido para uma cozinha, a indústria de eletrodomésticos também exagera na dose. Só para citar um exemplo: existem no mercado mais de 20 tamanhos diferentes de micro-ondas. Não é de estranhar, portanto, a ginástica para fazer um móvel que atenda a essa necessidade. Isso é coisa para marceneiro.

Até a década de 80, móveis para cozinha, ajustados à necessidade individual de cada família, era feito sob encomenda. Ao marceneiro. E este, artesanalmente fazia literalmente tudo. Era um verdadeiro arquiteto, um verdadeiro profissional no manejo da madeira. Mas pouco ou nada afeito ao empreendedorismo. O orçamento era feito à lápis (de marceneiro, claro) e se houvesse erro, normalmente era para mais, afinal também havia a inflação. E, como capital de giro não existia, o cliente antecipava 50% do valor, que era pra compra do material. Na entrega o marceneiro cobrava os outros 50%. E tudo funcionava bem. “Eu sempre fiz assim e sempre deu certo”, me disse um marceneiro há 30 anos.

Na segunda metade da década de 80, a indústria de móveis se deu conta do tamanho do mercado que estava nas mãos dos marceneiros. E as cozinhas componíveis começaram a ganhar espaço de forma acelerada e em poucos anos passaram a ser moduladas e os módulos e nichos começaram a preencher todos os espaços disponíveis na casa dos brasileiros. E o processo de planejar melhor os espaços da cozinha evoluiu rapidamente. Tão rápido quanto possível, porque havia um problema no meio do caminho: a instalação das peças na casa do cliente.

A solução parecia óbvia: as lojas multimarcas não estavam preparadas para oferecer serviços eficientes, já que não dependiam apenas da venda de cozinhas moduladas. Então, nada mais lógico do que incentivar a abertura de lojas exclusivas. E foi isso que a Florense fez no final dos anos 80. E outras também fizeram, mas ao todo, até a metade da década de 90, não se contava mais de 100 lojas no Brasil. Foi exatamente em 1996 que a Todeschini, a maior indústria de móveis de cozinha da América Latina, anunciou que entraria com força no sistema de lojas exclusivas. Em 2003 a Todeschini finalizou o projeto, migrando totalmente para franqueados. Na esteira deste projeto surgiram outras até se chegar, em 2012, a mais de 3.700 lojas de 50 marcas (considerando-se apenas as que operavam em mais de um estado).

Paralelo a este movimento extraordinário de abertura de lojas, o setor de marcenarias se viu ameaçado de extinção ou, na melhor das hipóteses, cair para terceiro plano, dependendo de encomenda de peças ou reparos. Foi neste momento, idos de 2008, 2009, que o Sebrae investiu pesado no apoio aos marceneiros, principalmente na capacitação de gestão, vendas, marketing, três palavras estranhas para a grande maioria dos 300 mil marceneiros existentes no Brasil à época. O Intelligence Group foi contratado para contribuir com este esforço que passou a contar também – e não poderia ser diferente – com a decisiva participação de revendas de materiais para marcenarias. Foi neste momento, 2008, que surgiu o curso Mestre Marceneiro, ainda hoje em funcionamento no Intelligence Group, que desde então já certificou mais de cinco mil profissionais da marcenaria. Para se ter ideia, o curso mostra todo o cuidado que se deve ter antes de sugerir um projeto de cozinha, por exemplo. São 64 questões que tratam do estilo do ambiente, dos hábitos da família e das necessidades das pessoas que vão estar mais tempo atuando na cozinha. E compreender efetivamente qual é a expectativa que as pessoas têm em relação ao que estão comprando, faz toda a diferença.

 

O PROBLEMA

A proliferação de lojas – muitas delas concedidas a pessoas sem experiência no ramo – somada a intensa propaganda das grandes marcas, criaram um clima de euforia entre os consumidores jamais visto até então. Enfim, todos, literalmente todos, podiam ter uma cozinha planejada, pagando em até 48 prestações mensais e só começar a pagar depois da cozinha instalada, coisa nunca vista, pois a regra era pagar 50% antecipado para o marceneiro e o restante na entrega. Agora havia crédito a perder de vista e, ainda mais, garantia de entrega num prazo máximo de 30 dias. Em qualquer lugar do Brasil, apesar das indústrias estarem sediadas no Sul do país. Da expectativa à decepção foram poucos passos. A cozinha dos sonhos não era a que chegou e foi instalada. Faltavam peças, as gavetas não abriam e fechavam com aquele toque suave, as portas não estavam tão alinhadas quando deveriam estar. Talvez o projetista não tivesse entendido direito e por isso “a cozinha que está aqui não é a mesma que eu comprei”, como disse certa vez uma decepcionada dona de casa.

O problema é que na prática, instalar corretamente um móvel planejado, exige experiência de marcenaria e isso não é coisa de montador. Se faltar uma peça, por falta de uma checagem mais rigorosa na expedição, pronto. A solução pode demandar muitos dias e o cliente não tem paciência. A loja e a marca vão parar no Procon ou num site de reclamação.

O acúmulo de problemas levou as indústrias a rever suas práticas. Muitas lojas foram fechadas e muitos prejuízos absorvidos para que a marca não sofresse grandes danos de imagem.

 

A SOLUÇÃO

Em 2006, atendendo demanda de uma fabricante de cozinhas da Alemanha, o Intelligence Group desenvolveu um estudo sobre a situação dos móveis planejados no Brasil. A conclusão do estudo, baseado na pesquisa com fabricantes, lojistas e consumidores, recomendava investimentos no que viemos a chamar de “tecno-fábricas” para produção regionalizada e desenvolvimento de projeto com marceneiros para prestação de serviços ao cliente final. O projeto entusiasmou a empresa, mas a crise dos anos seguintes obrigou a fabricante alemã a adiar a chegada ao Brasil.

O resultado do estudo mostrava claramente as duas principais dificuldades que o setor vinha enfrentando: logística e serviços. Nada além de cinco tecno-fábricas resolveriam o primeiro problema e de um exército de 300 mil marceneiros era possível identificar um número significativo de parceiros para prestação de serviços eficientes ao cliente final, deixando as lojas como verdadeiros shows-rooms.

 

O RESULTADO

Com o modelo adotado pelas indústrias se deteriorando, algumas já traçam o seu caminho de volta às lojas multimarcas, como aconteceu recentemente com a Unicasa que está fornecendo produtos para o novo projeto da Via Varejo.

Linhas de crédito como o Construcasa, facilidades oferecidas pelas revendas, na elaboração de projetos, fornecimento de pré-cortados e muitos outros serviços de apoio levaram os marceneiros de volta com força ao mercado. Veja o que disse o presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Equipamentos para Madeira (CSMEM) da Abimaq, Marcos Antonio Müller, que também é diretor-executivo da SCM Tecmatic, em entrevista à jornalista Daniela Maccio: “Podemos dizer que, diferente do que acontecia há 20 anos, atualmente, grande parte da produção está com o segmento dos móveis planejados, divididos em grandes marcas e pequenas marcenarias”. Segundo Müller, de cada dez chapas de MDF utilizadas pelo setor moveleiro, pelo menos cinco são cortadas por marcenarias. “Hoje, mais de 50% dos móveis brasileiros são fabricados por pequenas marcenarias”, garante Müller.

Neste cenário, o mercado de máquinas e equipamentos para a indústria de móveis se equilibra pela procura por tecnologia das pequenas. “As marcenarias se modernizaram muito em função do custo operacional. A qualidade do móvel foi transferida para a tecnologia”, afirma Müller. “O que se observa hoje são marcenarias com maquinário e equipamentos mais modernos, que utilizam seccionadoras, coladeiras de borda, centro de usinagem e furação”, afirma.

É o segundo estágio do processo de empreendedorismo dos marceneiros que, apoiados pelo Sebrae, por empresas fornecedoras e com crédito disponível, estão ocupando não apenas o espaço anterior, mas novas lacunas que estão sendo abertas pelas grandes empresas de planejados. É possível mudar novamente esta situação? Impossível não é, mas não vemos ações objetivas neste rumo por parte das indústrias de planejados.

 

Nada é por acaso

A cozinha Frankfurt foi a primeira cozinha instalada completa, com mobiliário e eletrodomésticos, como fogão (elétrico), uma novidade na época na Alemanha. As portas e frentes de gavetas de madeira foram pintados neste tom de azul porque os pesquisadores descobriram que as moscas evitavam superfícies azuis. A arquiteta Grete Schütte-Lihotzky utilizou carvalho para recipientes de farinha, porque a madeira repelia larvas de farinha, e faia para tampos de mesa porque faia é resistente a manchas, ácidos e cortes de faca. Os assentos, foi um banquinho giratório com rodízios para a máxima flexibilidade.

 

A partir de 1912, Christine Fredericks empreendeu estudos de gestão científica da rotina diária da casa e movimentos da dona de casa na execução das tarefas. Oito anos depois surgia a cozinha americana.

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