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Novos tempos, novas ferramentas para aperfeiçoar a gestão por Administrador

Postando em 19/02/2014

Luigi Pirandello foi um renomado escritor e autor teatral italiano que, além de um senso de humor peculiar, construiu metáforas poderosas sobre certos absurdos da vida contemporânea. Em sua obra mais famosa, a peça “6 personagens a procura de um autor”, os tais 6 personagens irrompem durante uma pretensa peça de teatro, buscando o apoio de um autor que lhes permitissem serem “materializados” na cena de um palco.

O que esse prólogo tem a ver com as questões que afligem o Varejo? Considerem que meu propósito, nesse artigo, é tentar traduzir aquilo que foi possível constatar na última feira de varejo em NY (a 103ª edição do Big Show da NRF), por meio das palestras assistidas, das visitas à feira, além de visitas técnicas a operações de lojas, e com a missão adicional de oferecer um foco particular sobre a questão da tecnologia. Ocorre que, assim como os personagens da peça, a tecnologia em si não possui “vida própria”, e não teria o condão de atrair nosso interesse, a não ser quando devidamente utilizada na resolução dos principais dilemas de uma organização.

Desta forma, ao invés de enumerar as diversas e mais curiosas soluções tecnológicas observadas, investimos em organizá-las, associadas aos principais problemas que elas visam solucionar, considerando como “pano de fundo” (inspirado na linguagem teatral) o cenário econômico e de negócios que afeta o varejo internacional e, eventualmente, também o brasileiro.

 

 1º Problema: “falar a língua dos consumidores”

Desde o momento em que a tecnologia direcionada ao consumo ganhou destaque frente àquela direcionada às empresas (thanks Steve Jobs!), o mundo tem vivido um genuíno “boom” na adoção de múltiplas plataformas digitais pelos seres humanos normais, desenvolvendo uma experiência digital ampla e significativa. A superação dessa tecnologia disponível ao consumidor, em relação à corporativa, pode ser simbolizada pelo recuo anunciado no início de Janeiro deste ano pela canadense BlackBerry, de sua atuação no mercado de consumo, direcionando seu foco ao mercado corporativo e governamental e aos smartphones com teclado, retornando ao nicho onde ela era predominante, no momento do lançamento do iPhone em 2007.

O fato é que o consumidor atual está mais do que familiarizado com o uso de dispositivos digitais, telas touchscreen, aplicativos diversos e a quase que total conectividade (lembrando que nem sempre as operadoras cumprem suas promessas de disponibilidade, tanto as redes wifi, como as redes 4G estiveram longe de confiáveis durante a feira em NY!). Tal situação exige que o Varejo reaja às expectativas já configuradas e passe a oferecer a mesma qualidade de experiência e de interface com que os seus consumidores já se habituaram, garantindo maior taxa de conversão, independentemente de qual canal, digital ou físico, pelo qual eles interajam com sua marca.

Os sinais dessa reação começam a proliferar, na adoção de displays digitais para seleção e experimentação de produtos (Build a Bear), vitrines digitais que reagem ao perfil do consumidor (sexo, altura, idade, etc.) na Best Buy, provadores digitais (Kohl’s), concierges digitais (também na Kohl’s) e, por último, uma cada vez mais intensa integração do mobile à loja, reforçando a constatação que ele torna-se cada vez mais o canal favorito para o início de qualquer processo de compra.

 

2º Problema: “conhecer melhor o consumidor”

Colocar o consumidor no centro de tudo, o mantra que vem sendo utilizado há alguns anos, desde que o conceito do omnichannel passou a ser disseminado nas palestras de consultores e líderes de tecnologia, representa um objetivo tão simples de enunciar quanto difícil de implementar: “atender melhor e de forma mais customizada seus consumidores”; requer conhecer tanto seus hábitos e perfis quanto suas intenções.

Pelo fato de existir uma crença arraigada quanto a que, essa capacidade de realizar ofertas mais adequadas ao perfil de cada um dos consumidores, ampliem seu nível de lealdade com nossa marca e o seu volume de gastos conosco é que esse tema tem despertado tantos artigos e palestras nos últimos anos.

O curioso é que algumas pesquisas recentes, divulgadas durante a NRF, reportam que, independentemente da satisfação do consumidor com o nível de serviço prestado por seu varejista de adoção, ele declara que não deixa de “olhar a grama do vizinho” em busca de eventuais melhores alternativas de compras. Todavia, a experiência vem demonstrando (como atesta tão bem o case apresentado pelo Monoprix) que, investir nessa direção, proporciona excepcionais níveis de retorno aos investimentos realizados, em decifrar seus clientes e converter esse conhecimento em ações específicas em termos de sortimento, pricing, comunicação e promoções.

A integração dos canais digitais à compra nas lojas físicas, também tem proporcionado um volume adicional de dados sobre os interesses dos clientes, em relação aos mecanismos tradicionais de cartão fidelidade pois, mais além do trackingsobre as compras já realizadas, tem sido possível obter informação útil do trackingde navegação (ao menos daqueles que permitem a inclusão dos cookies), dos itens incluídos nas wishlists e, mais recentemente, do cruzamento com informações postadas nas redes sociais. Essa convergência de fontes de informação, a qual se convencionou chamar de Big Data, introduz um desafio não desprezível de deglutir volumes descomunais de dados e desenvolver algoritmos que possam gerar hipóteses sobre as intenções de compra dos consumidores em uma fração de segundo, para que se possa aproveitar dos voláteis momentos em que a atenção desse consumidor está disponível.

Nem todos os varejistas, certamente, pretendem emular a Amazon, porém não se pode negar que a expectativa de nossos clientes estará cada vez mais sendo pautada pelos padrões que a gigante do comércio online vem impondo, em termos de relacionamento com seus consumidores.

Para encerrar esse assunto, que parece inesgotável, uma última polêmica. Da Target fora dito, em alguns informes veiculados nos primeiros dias da feira, que ela seria capaz de predizer a gravidez de uma adolescente, antes mesmo de seus pais se darem conta do fato, tão capacitada a empresa estaria em interpretar seus hábitos e intenções de compra, graças à adoção maciça de tecnologia e do corpo técnico qualificado que ela possui. Pois bem, essa mesma empresa, objeto de veneração do mercado, admitiu que sofreu um cyber ataque recente, onde informações valiosas (cartões de crédito e de débito) de cerca de 40 milhões de seus clientes foram roubadas (posteriormente ela confessou que esse número poderia chegar a 110 milhões!).

Existe um pacto implícito, que os consumidores aceitam dar informações particulares e de seus hábitos, em troca de benefícios e de uma melhor experiência de compra, porém, fatos como esse, demonstram que os níveis de risco associados a essa troca de informações ainda podem ser mais elevados do que havíamos imaginado.

 

3º Problema: “dar poder a seus interlocutores”

A disseminação do uso dos dispositivos digitais, particularmente os smartphones, transferiram aos consumidores um poder espantoso em coletar informação qualificada sobre seus objetos de desejo, antes deles irem às lojas físicas para eventualmente realizarem sua compra ou aprofundarem sua pesquisa. Isso tem produzido um forte desbalanceamento em termos do grau de conhecimento sobre o produto, suas alternativas, preço, disponibilidade nos canais, etc.; que o consumidor possui em relação aos vendedores.

Não será possível reposicionar a loja física, de forma a adequá-la às expectativas desse consumidor do século XXI, se o seu interlocutor na loja não estiver à altura desse desafio. Não se trata apenas de capacitá-los, eles têm que “jogar o jogo” com armas equivalentes, o que significa disponibilizar ferramentas com acesso a informação estruturada sobre os produtos, sobre o consumidor e sobre o processo de compra / navegação em questão, de forma a ajudar esse vendedor a ajudar genuinamente o consumidor, restaurando seu papel de fonte confiável de apoio e orientação. Nas visitas aos stands dos principais fornecedores, a profusão de soluções orientadas à fortalecer as equipes de vendas e de assistência ao consumidor, demonstram o quanto essa questão ganhou espaço no segmento.

Um ganho adicional que a evolução da tecnologia de conectividade (redes LTE, novos protocolos de wifi, etc.) é a possibilidade de rastrear o consumidor (com maior grau de precisão) no seu percurso pela loja e identificar os momentos em que ele possa estar precisando de ajuda, antes mesmo dele solicitá-la. Antecipar necessidades, garantir atendimento mais imediato é, sem dúvida, uma forma de “virar o jogo” a favor da experiência de compra desse consumidor nas lojas.

 

4º Problema: “melhorar a experiência de compra nas lojas”

Considerando tudo o que já foi comentado, não resta dúvida que o padrão de referência oferecido hoje pelos principais varejistas on-line supera o de muitos varejistas físicos em termos de experiência de compra (rapidez, disponibilidade, informação, sugestões customizadas, etc.). Como a loja física estará ainda presente e por muito tempo, como o local mais preponderante para a realização das compras, cabe no mínimo, equiparar tal experiência ao que o consumidor já obtém em suas compras (ou pesquisas) nos canais digitais. A principal razão para se realizar tal intento, é que é sempre mais inteligente incrementar a eficiência sobre os investimentos já realizados com a constituição da rede de lojas.

O arsenal de soluções é vasto e mereceria um artigo à parte, mas apenas para exemplificar: alguém já deve ter passado pelo tormento que é ficar experimentando roupas em um provador. Imagine no inverno e em uma cidade como NY? A quantidade de roupa que se tem que tirar para poder experimentar uma camisa ou uma saia? Esse é o tipo de experiência estressante, porém muito comum para os milhões de turistas que enchem as lojas de NY (muitos deles brasileiros), que os provadores digitais prometem atenuar. A qualidade do reconhecimento ótico, por meio de prosaicas câmaras digitais, tem permitido que o corpo das pessoas seja genuinamente “scaneado” e (se quiser) pode arquivar essas informações no seu varejista de preferência, de forma a avaliar com um grau de precisão cada vez melhor, como uma determinada roupa fica no seu corpo. Serviços adicionais, como avaliar tamanhos diferentes, cores e padrões distintos e ter certeza que suas escolhas estarão disponíveis naquela loja (ou em uma próxima), não só desoneram o consumidor, como também o vendedor, tornando o processo de venda e de sugestões mais proativo e garantindo níveis de conversão de venda mais elevados, como a Kohl’s tem demonstrado em seu esforço de reposicionamento, fugindo da competição pura por preço, para melhorar seu nível de serviço e com custos operacionais mais baixos (leia-se com quadros mais reduzidos, dada a eficiência das soluções à disposição dos consumidores).

 

5º Problema: “consumidor mais autônomo”

Não resta dúvida que o nível de autosserviço no varejo americano é bem superior ao observado no mercado brasileiro. Parte disso se deve ao maior grau de maturidade daquele mercado, que introduziu tal modelo de atendimento há muito mais tempo do que o ocorrido no Brasil e o como os consumidores americanos “conquistaram” essa autonomia, pelo hábito.

Ocorre que existiu uma razão econômica clara para a disseminação desse tipo de modelo de atendimento: custos operacionais crescentes com o quadro de funcionários. Esse tipo de situação, todavia, tem se tornado muito próxima àquela que vem sido observada no Brasil dos últimos anos, não só pelo crescimento acima da inflação dos salários dos funcionários do varejo, como também por conta das dificuldades na contratação e retenção de talentos.

A tecnologia mais uma vez foi chamada para apoiar as empresas de varejo no sentido de facilitar essa adoção de um processo de compra mais autônomo: assistentes de compra digitais (a exemplo do que o Pão de Açúcar adotou em algumas poucas lojas), aplicativos que facilitem a formação e análise das listas de compra, uma maior integração multicanal para facilitar a transição entre as compras iniciadas nos canais digitais e também equipamentos cada vez mais ágeis e inteligentes para permitir o self checkout de forma segura (praticamente onipresentes em redes como CVS).

O curioso é que sempre se associa a imagem de pessoas mais jovens e “techies”, ao perfil daqueles consumidores que preferem realizar suas compras com o máximo de autonomia. Porém, durante uma visita a um supermercado no Brooklin, da rede daFairway, testemunhei a tranquilidade com que um senhor, já entrado em anos, realizava a pesagem, a etiquetagem de itens com peso variável e o posterior pagamento em uma máquina de autoatendimento. Disso fica a lição que, mesmo com a disponibilidade do atendimento, algumas pessoas, por perfil, preferirão realizar, elas mesmas, as tarefas associadas ao processo de compra em uma loja.

 

6º Problema: “Loja mais e mais eficiente”

Durante muito tempo o baixo nível dos salários no Brasil tornava a preocupação com a eficiência das operações de loja uma questão que encontrava menor prioridade nas intenções de investimento do varejo. Todavia, pelos mesmos motivos citados acima, nos parece que essa ordem de prioridade precisa ser invertida e rapidamente, pois, mais além da necessária redução dos custos operacionais, para proporcionar o retorno do investimento associado à feérica expansão das redes nos últimos anos, lojas cuja operação ocorre de forma mais eficientes também são instrumentos fundamentais na experiência do consumidor: produtos corretamente expostos e com preços à mostra, comunicação adequadamente distribuída ao longo da loja, gôndolas ou expositores convenientemente abastecidos, corredores desobstruídos e filas ágeis. A execução consistente dessas rotinas operacionais em uma loja é, infelizmente, muitas vezes subestimada, como fator importante na taxa de conversão de uma operação.

Por conta de uma série de barreiras culturais, o varejo brasileiro, tem sido tímido na incorporação e/ou aceleração do uso, de ferramentas e conceitos já bastante maduros e que são fundamentais para atingir tais objetivos, apenas para citar alguns:

·         Gestão por processos, como forma de identificar, conferir padrões e administrar mais consistentemente todo o conjunto de atividades requeridas nas operações das lojas de varejo, incluindo o mapeamento das produtividades estimadas (e desejadas) da força de trabalho, avaliando as melhores combinações de atribuição das tarefas; Atribuição e comunicação de atividade comandada por sistemas (a exemplo do que ocorre em um Centro de Distribuição), tendo em vista o término da execução de uma determinada tarefa, a localização que o funcionário encontra-se na loja, o nível e tipo de vendas ocorridos na loja e até mesmo o perfil e registro de produtividade do funcionário;

·         Alocação mais eficiente por meio de soluções (workforce management) para otimizar a utilização do quadro existente de funcionários, considerando as atividades, as produtividades individuais e a variação do fluxo (e consequentemente da demanda) ao longo do dia e da semana e, por fim, analisando qual o nível de serviço ótimo, considerando a resposta do consumidor à qualidade / intensidade da execução;

·         Gestão mais eficiente do espaço, o que inclui inventário loja a loja dos equipamentos de exposição, de modo que se possa criar e controlar a exposição de mercadorias adequada a cada loja (considerando a pouca padronização efetiva existente nas lojas das redes) bem como o apoio à criação dos planogramas adaptados à situação específica da loja;

·         Uso de sistemas para administrar o fluxo nas lojas e os padrões operacionais dos checkouts, de forma a minimizar as filas nos horários de pico, alterando a escala, os critérios de fila e interferindo (inclusive com a adoção dos sistemas de checkout móvel) de forma a evitar os eventuais problemas que causam tempos adicionais e grandes desgastes para os consumidores.

 

Conclusão

Fica evidente o tamanho do desafio para o varejo brasileiro no sentido dele reduzir sua distância em relação às melhores práticas do varejo mundial observadas na NRF. O uso mais intenso de tecnologia pressupõe uma mudança na ordem de prioridade dos investimentos desse segmento, como também a inclusão de um perfil de profissionais mais analítico, focado em processos, mais afeito às atividades de planejamento, que possa fazer melhor uso de um maior volume de informações para tomadas de decisão mais assertivas.

Não tomar tais medidas significaria, em última instância, subestimar nosso consumidor, pois, ainda que o nível cultural e de renda do brasileiro esteja muito aquém do consumidor americano, a disseminação de um estilo de vida mais digital, e que amplia o grau de exigência desse consumidor em relação aos produtos que espera adquirir e os serviços que espera contratar, está ocorrendo muito mais rapidamente do que imagina nossa vã filosofia (parafraseando outro grande autor de peças de teatro).

 

Alexandre Horta (horta@gsmd.com.br), sócio sênior da GS&MD - Gouvêa de Souza.

 

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